Análise perfeita
Impressionado com seu poder de sintetizar minha personalidade e generosidade ao analisá-la, como se fosse a melhor das psicólogas, pedi à uma amiga que me permitisse inserir, como prefácio, em meu livro, ainda não publicado, minha biografia romanceada, MOMENTOS DE UMA VIDA PLENA, seu comentário generoso, feito sobre a minha pessoa, que ela finalmente, após muita insistência minha e um enorme esforço de convencimento, resolveu aquiescer. Por isso meu sincero agradecimento. jan.
“Jan era mesmo assim, pleno em tudo que fazia. Nada ao meio, nada pela metade. Imensamente entregue ao prazer de estar vivo. O que ele sabia sobre si, sobre sua cidade, sobre seu tempo, havia experimentado pelo corpo com toda a alma. Nada de teorias, nada que pudesse ler em livros, ver em filmes, poderia significar mais do que aquilo que havia aprisionado, em todos os seus sentidos, ao longo dos anos. Vivia intensamente cada noite insone, cada amor, cada paixão e agora repartia com Gal. Enquanto ele rememorava, ela o ouvia.
Ele não era um homem que copiasse a vida dos outros nas óbvias urdiduras dos dias, dos meses, dos anos. Ficava incomodado com a rotina. Era de estar sempre fazendo alguma coisa nova. Nada que fosse repetição, porque era inquieto e os dias tinham que ser desiguais. Odiava rotina. Podia muito bem estar, a um tempo qualquer, em qualquer parte do mundo, que estaria bem, acompanhado de sua memória e bons pensamentos, porque os ruins ele afastava. Evitava pensar na família, aliás, nem devia mesmo, porque era, fatalmente, certeza de sofrer, o que ele evitava. Enquanto viajava não queria pensar em ninguém; era inevitável ter que distanciar-se de tudo e de todos. Do outro lado do mundo nada podia fazer, então, que de nada soubesse. Não queria saber quem morreu, quem nasceu. Estava longe. Em cada porto que desembarcasse tratava de se divertir. Esta era uma forma de sobreviver à solidão e à saudade. Em suas viagens, à Itália, podia reconhecer nitidamente os canais de Veneza, as ruelas de Trieste, as tabernas de Gênova. Podia bem perder-se nestas cidades, pois identificava os caminhos que seu coração havia percorrido nos livros ou nas telas com os filmes de Vittorio de Sica, de Fellini, muito antes de embarcar na Marinha Mercante e sentia-se feliz. Sempre fora um cinéfilo apaixonado e guardava cada impressão refletida nas telas dos cinemas de S. Cristóvão e da Cinelândia. E daí sua desenvoltura cada vez que chegava a Itália. Ah! La Dolce Vita, a via Veneto, as ruas romanas dos nightclubs, dos cafés do sidewalk e da parada da noite. Respirava ares que bem conhecia ao andar como o jornalista Marcelo, de Mastroiani, em busca da mulher ideal e por isso perseguia todas. Conquistava, deixava-as apaixonadas, amava, quebrava o coração de algumas e depois partia. Circulava muito bem em Portugal, onde se originara sua família, os Corrêa, e, na cidade do Porto, ou em qualquer outra parte desse país, sentia-se em casa, sozinho ou com algum amigo, onde pudesse derreter-se em canecas de vinho envelhecido em pipas de madeira nas caves situadas na zona ribeir... "inha. Ouviria por horas seguidas o fado, quando podia apreciar a expressão da alma coletiva, extrato da alma de cada um. Sabia apreciar música de qualidade, ainda mais quando ela pudesse despertar-lhe lembranças. Ficava enternecido olhando, deixando tudo acontecer ou provocava um acontecimento, talvez para marcar sua presença, só mesmo para ter o que contar depois. Sempre fora um homem de deixar impressões fortes e definitivas."
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