sábado, 13 de agosto de 2011

LOBOS DO MAR


(by jan)

Na época, eu era um dos mais jovens tripulantes do navio “Lóide América”, um cargueiro da Cia. Lóide Brasileiro (PN). Navegávamos em direção a New York, em minha quarta viagem para aquele país. A mais ou menos trezentos e sessenta milhas náuticas daquele porto, fomos surpreendidos por um rabicho de ciclone, o “Donna”, que devastava a periferia daquela cidade, numa velocidade superior a duzentos quilômetros por hora. Até então, eu jamais havia visto algo parecido ou sentido toda àquela violência. O mar, enfurecido, parecia enlouquecido. Aquele forte vento formava ondas com, aproximadamente, quinze metros de altura ou mais, como se fosse engolir a embarcação. Durante muito mais de 30 horas passamos o horror daquilo tudo, tentando nos manter em pé, pois o navio adernava, para um bordo e outro, a todo o momento, sucessivamente, sem parar. Foi quando após um balanço de 45 graus, felizmente, nosso corajoso, competente e destemido Comandante, assumiu o lugar do marujo na roda do leme, e decidiu tentar desviar o navio de rumo, a fim de pegar mar e vento favoráveis pela popa o quê, penso agora, talvez melhorasse a navegabilidade. O navio teria que virar a proa para a África, e isso exigia uma manobra de grande perícia, pois podíamos ser surpreendidos por uma gigantesca onda, do lado de bombordo que, certamente, nos faria girar no próprio eixo e em seguida afundar. Foi um milagre de Deus que nos trouxe de volta e que me inspirou, agora ao recordá-lo, contar esse fato heróico, abaixo, na forma de poema épico:

Lobos do mar, sob forte tempestade:
O homem, seu navio e o mar bravio...
(by jan).

Singras presunçoso, águas revoltas,
Sem te importares com a tempestade,
Que nos açoita e nos preocupa,
Como se, dela, medo não tivesses.
De forma insana, potente, mergulhas corajoso,
Em ondas violentas, profundas,
Que se arremetem, alavancadas,
Contra o passadiço e afogam o tijupá.
Enquanto eu te observo emocionado,
Meu sangue corre gélido nas veias.
Assim, segues em frente, displicente
E neste afundar proa e rasgar ventos,
Continuas tua luta, contra a procela, indiferente,
A arrancares gemidos de tuas cavernas,
Que ecoam em meus ouvidos,
Como se fosses quebrar, partir ao meio.
Meu velho e bom marinheiro,
Finalmente agora, sabes muito bem,
Que não és mais jovem,
És sobrevivente de uma guerra mundial.
Mas, sem te importares com a idade,
Insistes em lutar com galhardia, companheiro,
E eu, conhecedor de tua compleição frágil,
Compulsoriamente te sigo,
Observando-te, preocupado contigo,
Tu me fazes sentir saudade, confesso:
Neste momento crítico,
Da segurança do meu chão amigo.
Para que, com dignidade,
Desta nos livremos logo,
Tentarei, contudo, demonstrar-te
Que também sou corajoso,
Fingirei que nada sei e de nada entendo.
Como se nada de anormal estivesse acontecendo,
Continuas a te arriscar, arfas, gemes,
Arrancas de tuas entranhas gritos,
Balanças, adernas, sofres, estremeces,
Parece mesmo que vais rachar ao meio,
Fazendo meu sangue correr mais gélido nas veias
E meu coração disparar como se explodir pudesse.
Felizmente para nós, nessa luta de titãs,
Continuas a desatar os nós,
Desse nosso infeliz destino,
Meu valente, destemido e intrépido marujo,
Sem te importares, repito:
Que absurdo, com tua longa idade!
Açoitado pelo rabicho desse ciclone o “Donna”,
Lutas para sobreviver e nossas vidas salvar.
À matroca, desesperado, mas intrépido,
Balanças de boreste a bombordo,
Como se estivesses sem rumo,
Perdido no meio do furacão,
Ao sabor de ondas cada vez mais violentas,
Parece que vais afundar na maresia.
Enquanto penso que sofres, neste mar furioso,
Sob a força deste vento arrasador
Que aumenta, cada vez mais, a altura das ondas,
Ao invés, lépido flanas, voas como folha de papel,
Solta, balançando na ventania,
Varrida por Deus do teu convés.
Contigo aprendi, amigo, nestes anos todos,
Em que juntos convivemos,
Que quando finges ser jovem, como agora,
Na verdade estás em dificuldade
E é por isso que, egoísta,
Perdoa-me, eu temo por nós!
Sou humano, não sou de ferro,
Meu arcabouço, diferente do teu,
É revestido de carne e osso e não de aço,
Não enverga, não dilata, apenas sangra,
Sofre, chora, geme, treme covardemente,
Como agora, confesso: Assustado temendo a morte!
Entretanto, tu não, maravilhoso irresponsável,
Continua desvairado, audaz marujo,
Arremessando-te contra as ondas,
Fazendo-me sentir medo, ficar apavorado!
Vendo-te, assim, corajoso,
Sobre e sob esse mar bravio,
Ao perceber a proximidade da morte,
Estremeço, sinto meu sangue congelar nas veias,
Assusto-me com toda essa tua valentia.
Parece um admirável louco, obstinado,
Ao enfrentares a forte ventania
E nesse momento, nem imaginas,
Porque sendo um monte de ferro velho, não raciocinas
E por isso não sentes tudo que sinto agora,
O tanto que temo por ti e por nosso destino.
Meu velho amigo audaz lobo do mar,
Não penses que só porque foste feito de forte aço,
Podes enfrentar impune a força da mãe natureza,
Que está tudo bem, que mandas no pedaço.
Não te iludas valente, assim poderás nos destruir!
Percebeste meu velho lobo do mar,
Mais uma vez, a onda passou batendo violenta,
Cobrindo o passadiço, alagando o tijupá,
O que me faz, sob intenso pavor, te indagar:
Afinal, quando isso tudo acabará?
Assustados, todos nós, como tu,
Velhos e novos lobos do mar,
Ajoelhamos, rezamos e envergonhados de ti,
De toda essa tua valentia, nos escondemos,
Para não te demonstrar o nosso medo.
Egoístas, não queremos que saibas
O que padecemos e o quanto tememos o pior.
Abatidos, preferimos que penses
Que, como tu, somos todos corajosos.
Para que continues fingindo que és forte,
E que não zombes desse nosso destino cruel,
Eu prometo: Fingirei que creio em ti
E quem sabe, assim, consigamos ambos, espantar a morte!
Contudo, por favor, tem mais cuidado companheiro,
Tua dilatação, na amurada, aumenta a cada instante.
Urge que lutemos para sair desta, uma vez mais.
Precisamos ter coragem,
Antes que seja tarde demais,
De reafirmar que, como tu,
Também somos parte deste mar,
Açoitado por este vento, insano,
Mesmo sabendo que aqui e agora,
És o único, o verdadeiro lobo do mar
E, por isso, podemos e devemos em ti,
Infeliz e compulsoriamente, confiar,
Acreditar que tu nos fará sair desta,
E que Deus nos protegerá!

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